terça-feira, 18 de setembro de 2018

A NOVA LEI DE BASES DO SERVIÇO NACIONAL DE SAUDE

O Serviço Nacional de Saúde ( a maior conquista social resultante da Revolução de 25 de Abril de 1974, logo seguida da instrução escolar obrigatória para todos ) é um assunto que está constantemente no cerne das discussões públicas: Pelos partidos políticos que estão na oposição para atacar o Governo, pelos partidos que apoiam o Governo para defender o SNS e para lhe serem introduzidas melhorias, pelos profissionais da saúde para obter melhores remunerações ou melhores condições de trabalho, pelos jornalistas porque sabem que é um tema de audiência garantida, pelos opositores do SNS para tentar desacreditá-lo, e também por algumas pessoas que se interessam genuinamente pela saúde dos portugueses. Entrando mais uma vez na discussão, como apoiante incondicional do SNS tendencionalmente gratuito para TODA a população, vou referir-me a três documentos importantes, um porque esteve em discussão pública até recentemente - a proposta de alteração da Lei de Bases da Saúde emanada dum grupo de trabalho ( GT ) nomeado pelo Governo -, outro porque representa o pensamento estratégico do PSD, o partido com mais deputados no Parlamento, relativamente ao SNS e outro ainda porque representa o pensamento de António Arnaut, o criador em 1979 do SNS ( tal como vem expresso no livro “Salvar o SNS” escrito em colaboração com o Dr. João Semedo ). No documento divulgado pelo PSD, o tema a que é dado grande ênfase é o da constituição de parcerias publico-privadas (PPP) para gerir os hospitais públicos, e numa segunda fase as unidades de cuidados primários. O argumento, segundo dizem tirado dos relatórios do Tribunal de Contas, é que gestão PPP dos hospitais de Braga e Cascais sai mais barato aos contribuintes portugueses. Isto apesar das despesas da gestão incluírem o lucro para os privados que, sem dúvida prestimosamente, gerem os hospitais. Não disponho de elementos para poder contrariar ou não os números do PPD- PSD. Mas teoricamente não parece nada lógico : então sendo os vencimentos dos profissionais de saúde que lá trabalham iguais num e noutro caso, os ordenados dos administradores privados superiores aos dos públicos, havendo que considerar o lucro do trabalho de gestão, quer corra bem quer corra mal, para iguais serviços prestados, os privados conseguem ser mais baratos ? Isto só será possível se as gestões públicas forem terrivelmente ineficientes ! O que não é aceitável! O Estado tem obrigação de colocar à frente dos hospitais públicos funcionários que sejam capazes de organizar o trabalho de forma a tirar o melhor rendimento dos profissionais e dos equipamentos e reduzir o desperdício ao mínimo, a favor dum tratamento o melhor possível dos utentes, claro. Senão qualquer dia aparece um partido a querer privatizar também o governo do país !!! O caminho da generalização das PPP na saúde é o caminho para a privatização do SNS e portanto o número 9 da base da Base XX da proposta do GT acima referido NÃO deverá entrar na nova Lei de Bases. A gestão dos hospitais públicos deve ser pública, como previsto no livro de AA e JS e ao contrário da Lei 48/90 do tempo do 1ª Ministro Sr. Cavaco Silva O ponto seguinte é um apontamento sobre o funcionamento dos seguros de saúde . A proposta do GT diz na Base XXX, número 2 o seguinte, e cito : 2.A celebração de contratos de seguro deve ser precedida da prestação, pela entidade seguradora, de informação, clara e inteligível, quanto às condições do seguro, âmbito e limites da cobertura, incluindo informação expressa quanto à eventual interrupção ou descontinuidade de tratamentos caso sejam alcançados os limites contratualmente estabelecidos, de forma a permitir uma decisão acertada. “ A proposta do livro ” Salvar o SNS “ diz o seguinte, e transcrevo “ 2- Os prestadores de cuidados de saúde são responsáveis pela continuação e conclusão de qualquer tratamento que tenham aceite iniciar sob a cobertura se seguro de saúde, não podendo o mesmo ser interrompido ou descontinuado em virtude da cobertura da respetiva apólice ser insuficiente para assegurar o pagamento da despesa realizada ou prevista A 1ª alternativa protege as seguradas ( elemento mais forte ) , a 2ª alternativa protege os segurados ( o elemento mais fraco ) e portanto na minha maneira de ver a segunda deve ser adoptada. Uma Base nova que aparece na proposta do GT é a XXXVI que diz respeito aos “Direitos e deveres dos profissionais de saúde” Na parte dos Direitos aparece a alínea c) que estipula, e cito, c) Contribuir para a gestão rigorosa, eficaz e eficiente dos recursos existentes Na minha opinião, se isto constitui um direito, é sobretudo um DEVER ! Pode lá admitir-se que um profissional não tenha o DEVER de contribuir para a gestão rigorosa, eficaz e eficiente dos recursos disponíveis ? A alínea deve pois deixar a lista dos direitos e engrossar a lista dos deveres. Para responsabilizar os que se esquecem deste princípio básico duma actividade profissional, esta alteração é fundamental. Dum direito pode-se prescindir, dum dever não ! Ainda sobre os médicos, na proposta do GT deixa de figurar uma possibilidade que a lei do tempo do Sr. Cavaco Silva permitia o que transcrevo a seguir : Base XXX 32 . 6 – A lei pode prever que os médicos da carreira hospitalar sejam autorizados a assistir, nos hospitais, os seus doentes privados, em termos regulamentar. De facto não faz sentido que havendo listas de espera para cirurgias nos hospitais públicos, doentes em regime privado dos respectivos médicos possam ser atendidos, em regime privado naqueles. E possivelmente passando à frente de doentes do regime público à espera há mais tempo ! Finalmente, vou abordar o assunto dos medicamentos. Na Lei nº 56/79, a primeira lei sobre o SNS, o Art. 14 dizia-nos que os utentes do SNS tinham direito às seguintes prestações, e cito : a) Cuidados de promoção e vigilância da saúde e de prevenção da doença; b) Cuidados médicos de clínica geral e de especialidade; c) Cuidados de enfermagem; d) Internamento hospitalar; e) transporte de doentes quando medicamente indicado; f) Elementos complementares de diagnóstico e tratamentos especializados; g) Suplementos alimentares dietéticos; h) Medicamentos e produtos medicamentosos ; i)Próteses, ortóteses e outros aparelhos complementares terapêuticos; j) Apoio social em articulação com os serviços de segurança social. Esta listagem desapareceu na Lei 48/90 que ainda está em vigor ( embora os utentes tenham continuado a ter aqueles benefícios ) e não aparece também , nas propostas do livro de AA e JS nem na do GT. Possivelmente devemos pensar que o “direito aos cuidados de saúde dos cidadãos” engloba tudo aquilo mas na verdade não está explicitado. Para certas coisas mais vale a mais do que a menos … E aproveito para perguntar, porque razão o Estado, o principal prestador de cuidados de saúde sem fins lucrativos, não há de dispor de unidades produtoras de medicamentos. O custo com medicamentos constitui uma importante fatia dos gastos com cuidados de saúde e portanto seria interessante estudar se unidades fabris do Estado seriam competitivas no preço final com as dos privados. Aliás um bom laboratório público apetrechado para produzir fármacos em caso de crise deveria estar sempre disponível. O Laboratório Militar tem capacidade para isso ? Se não tem , deveria ter !. É uma questão de segurança nacional. Lisboa, 18 de Setembro de 2018

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