sábado, 4 de janeiro de 2020

SOBRE O SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE NO FINAL DE 2019

Continua a falar-se muito do SNS. Até o Sr. Presidente da República, na sua mensagem de Ano Novo para 2020 a isso fez referência É natural, pois a par da escolaridade obrigatória e gratuita para todos até ao 12º ano, é uma joia de valor incalculável criada pelo regime democrático resultante da Revolução de 25 de Abril de 1974. É estranho, mas muito raramente aparecem louvores ao SNS : o que se ouve e se lê são críticas ao seu funcionamento neste ou naquele local, à falta de profissionais de saúde, ao envelhecimento dos equipamentos, ao encerramento temporário de algumas unidades, aos tempos de espera para consultas e cirurgias, a dívidas dos hospitais públicos, à existência de taxas moderadoras e também muitas críticas à falta de verbas ( sobretudo para aumentar vencimentos dos profissionais envolvidos ). Sobre a falta de verbas falarei mais adiante, mas antes disso vou fazer as seguintes considerações : As críticas, em meu entender, têm dois objectivos, aliás antagónicos : chamar a atenção para que é necessário melhorar o funcionamento do SNS e/ou desacreditar o SNS para levar as pessoas a fazerem o sacrifício de contratar seguros de saúde. Porem, quanto custará a mensalidade dum seguro de saúde que conceda os benefícios que o SNS concede a cada português , e sem limite de despesa ? Quanto custará ? Respondam, por favor, senhores críticos ! ( Devo dizer que a prática comercial de denegrir os produtos da concorrência em vez de salientar as qualidades dos produtos próprios não se vê em mais nenhum ramo de actividade, excepto na política ). E , já agora, pergunto a quem sabe muito sobre cuidados de saúde e opina nos jornais, nas TVs e através da net, quais são os países da OCDE em que aqueles cuidados são mais -abrangentes dos que os do nosso SMS e também os que na prática funcionam melhor que o nosso ( menos tempos de espera para consultas, cirurgias e exames, menos insucessos fatais por mil habitantes, etc. ). Como são frequentes as referências ao que sucede nos países que queremos emular, esta comparação sem dúvida que se justifica As causas das dificuldades que o SNS atravessa desde 2010 para cá ( embora durante os governos anteriores aos do Sr. António Costa não merecessem tão assiduamente a atenção da comunicação social ) são conhecidas : aumento da esperança média de vida das pessoas sem concomitante aumento da resistência à doença e aos achaques da velhice; crença das pessoas de que vale sempre a pena ir ao médico pois os progressos da medicina são constantes, o que , conjuntamente com a fácil acessibilidade aos cuidados de saúde, faz afluir mais utentes aos serviços ; aumento dos custo dos medicamentes devido à introdução de novos e dispendiosos fármacos - circunstâncias estas que não foram acompanhadas do necessário aumento do financiamento público. E não foram acompanhadas de suficiente aumento de despesa pública porque a seguir à crise financeira internacional que começou nos EUA em 2008 e se propagou para a Europa a economia portuguesa entrou em declínio e as despesas públicas, sob a batuta da troika ( 2011-2014 ) e execução do governo do PSD+CDS, entraram em contracção. É sabido que após uma crise económica, onde as queda são rápidas, a recuperação a níveis anteriores é lenta. Em geral demora anos, com veremos Os gráficos e tabelas, tirados da PORDATA que a seguir se exibem são bem explicativos. No gráfico relativamente à despesa das administrações públicas com a Saúde, vê-se o seguinte : 1. Crescimento a um ritmo mais ou menos constante de 2000 a 2009 2. Abrandamento do ritmo de crescimento de 2009 para 2010 3. Queda muita acentuada de 2010 para 2012. 4. Estabilização entre 2012 e 2014 5. Re-início do crescimento em 2014 que se mantem até 2018 (últimos ano do gráfico ) e que, com se sabe, continuou em 2019. ( Convém não esquecer que todas estas despesas com o SNS foram feitas num contexto de défice nas contas públicas e de aumento da dívida soberana ) Imaginando que não tivesse havido crise económica nem intervenção da troika e que o ritmo de crescimento da despesa das administrações públicas com a Saúde se tivesse mantido ao rimo de 2000-2009, em 2018 aquela teria atingido o valor de 15.200 milhões de euros e não apenas cerca 12.200 como está previsto. Ou dito de outra maneira, a despesa em 2018 teria sido superior em 25% ao que foi !!! E muitas das dificuldades não se teriam manifestado. -Ah! - exclamarão alguns – isso não foi feito porque não houve vontade política de o fazer ! Não quiseram saber do SNS ! Antes de dar a minha opinião sobre esse tipo de comentários, vejamos o que passou com o PIB , indicador que mede a riqueza gerada num país, a partir do quadro tirado da PORDATA , como se disse i) Antes da crise iniciada em 2008, o ponto mais alto do PIB foi atingido em 2008 com 193,450 milhões de euros ii) Iniciou-se então uma queda cujo valor mais baixo foi atingido em 2013 com 178. 169 milhões de euros iii) De 2013 em diante, o PIB voltou a subir tendo finalmente em 2018 sido ultrapassado o máximo anterior de 2008, ou seja FORAM NECESSÁRIOS 10 ANOS PARA SE VOLTAR A VALORES ANTERIORES À CRISE. Voltando ao caso de haver ou não haver vontade política de gastar mais dinheiro com o SNS , não podemos deixar de considerar o seguinte : a) A dívida pública portuguesa é muito, muito elevada e portanto não é do interesse de Portugal continuar a aumentá-la indefinidamente. Há juros a pagar e há que mostrar às instituições europeias que nos ajudam a ter juros baixos que somos um País honrado que quer pagar as suas dívidas e portanto um Estado de confiança b) Para conseguir esse objectivo é necessário que o défice das contas vá diminuindo e tenda para zero. c) O funcionamento de todos os serviços públicos, os rendimentos das pessoas ( ordenados dos funcionários públicos e pensões dos reformados ) e as prestações sociais foram muito prejudicados pela contracção de despesas imposta pela troika e executada pelo governo de então ( PSD+CDS ). d) Não seria justo que todo o dinheiro disponível resultante da melhoria das condições económicas pós-troika fosse canalizado para o SNS. Todos os prejudicados pelas políticas anteriores também tinham direito à reversão. Neste contexto, seria benéfico recorrer aos serviços privados de saúde resolver problemas ? Não me parece, pois não creio que os cuidados prestados pelos privados sejam mais baratos que o custo de iguais cuidados prestados nas unidades do SNS. E como vimos acima, as verbas destinadas à Saúde são as possíveis, considerando todas as circunstâncias. Também não devemos esquecer dois detalhes importantes : no tempo da troika + governo PSD e CDS, o tempo de trabalho dos profissionais de saúde foi aumentado de 35 para 40 h semanais o que possibilitou, com o mesmo pessoal e sem aumento de despesa, mais atendimento aos doentes ; o governo posterior do PS reverteu também esta situação, tendo sido necessário contratar mais pessoal para realizar o mesmo volume de serviço – e isto absorveu uma parte do aumento de verba destinado ao SNS. Para concluir : Pelo que oiço e vejo nas notícias e pela minha experiência como utilizador do SNS, o está verdadeiramente em causa nas queixas são as demoras no atendimento e a necessidade, por vezes, de percorrer maiores distâncias para ser atendido, mas não a qualidade daquele. Pessoalmente continuo convicto de que a qualidade técnica e humana dos serviços prestados pelo SNS ( salvo raras e desonrosas excepções ) é do melhor que se pode obter. Lisboa, 3 de Janeiro de 2020