quarta-feira, 17 de junho de 2020

A CRISE FINANCEIRA INTERNACIONAL DE 2009 E O SEU REFLEXO EM PORTUGAL :

PARTE II – CONSEQUÊNCIAS Como deixei escrito no final da PARTE I, os resultados para a população portuguesa do programa da troika, executado pelo Governo PSD+CDS, serão resumidos nesta PARTE II do artigo, a partir do excelente estudo “ DESIGUALDADE DE RENDIMENTOS E POBREZA EM PORTUGAL – As consequências sociais do programa de ajustamento “ , da autoria de Carlos Farinha Rodrigue et al. , do Instituto Superior de Economia e Gestão, edição de 2016 da PORDATA, daqui em diante referido simplesmente como ESTUDO. 1. A redução dos rendimentos Observando o Quadro 1, pág.26 do ESTUDO que apresenta as perdas de rendimento dos vários decis hda população entre 2009 e 2014 , vê-se que os rendimentos familiares equivalente das famílias mais pobres sofreram muito mais que os das famílias mais ricas no período 2009-2014 : enquanto os dois primeiros decis tiveram uma redução, respectivamente de 25% e 16% , para o último a redução foi de 13%, sendo a redução média considerando todos os decis de 12 % ( Nota : O 1º decil diz respeito aos 10% da população com rendimentos mais baixos, o 2ª decil aos 10 % da população com rendimentos a seguir aos mais baixos e assim sucessivamente até ao 10º decil onde estão os 10% da população com os rendimentos mais altos ) No que respeita aos outros países sujeitos ao ajustamento em comparação com a média da União Europeia no Gráfico 5 ( pág. 31 da mesma fonte ), vê-se que em resultado da crise os países sujeitos ao torniquete da troika, particularmente a Grécia, viram os rendimentos familiares diminuírem, enquanto que na União Europeia a 28, ou a 17 subiram. CONCLUSÕES DESTE PONTO : i) Devido às políticas implementadas durante o tempo da toika, em média toda a população sofreu cortes no seu rendimento, mas os mais pobres francamente mais que os mais ricos. ii) Na EU, os países que tiveram necessidade de auxílio perderam rendimentos, enquanto que os restantes países ganharam rendimentos 2. Aumento das desigualdades A evolução da desigualdade é medida pela variação ao longo dos anos de indicadores como o Índice de Gini, os Índices de Atkinson e a relações entre os rendimentos médios dos decis mais elevados e os dos mais baixos No ESTUDO, os números apresentados mostram que, se as desigualdades económicas diminuíram de 2006 a 2009, no intervalo de 2009 a 2014 aumentaram ( Quadro 4 da pág. 38 ) A relação entre o rendimentos médios do decil mais rico ( S90 ) e o decil mais pobre ( S10 ) passou de 9,2 em 2009 e para 10,6 em 2014 . E se for considerada a relação entre os rendimentos médios dos 5% mais ricos e os dos 5% mais pobres ( S95/S5 ) o aumento foi de 14,3 em 2009 pata 18,4 em 2014. A comparação entre o que se passou em Portugal e na União Europeia pode ver-se no Gráfico 12, 13, 14 e 15 das pág. 42 e 43 do ESTUDO através da variação do coeficiente de Gini ( Relembrando que o índice de Gini varia entre 0 (igualdade total ) e 1 ( máxima desigualdade ) e portanto quanto maior for o índice, mais desigual é a sociedade) CONCLUSÕES DESTE PONTO : i) As políticas seguidas tornaram a população de Portugal mais desigual em termos de rendimentos ii) No contexto europeu, Portugal manteve-se como um dos países mais desiguais 3. Agravamento da pobreza monetária A taxa de pobreza monetária é definida como a percentagem da população que usufrui menos que 60% do rendimento mediano por adulto equivalente, valor que constitui a linha de pobreza oficial Esta taxa, porem não dá uma medida realista da medição de pobreza ao longo dum período porque, devido a variações do valor da mediana causada por descidas dos rendimentos o valor da mediana pode descer e fazer sair pessoas da zona de pobreza sem que efectivamente tenham saído. Por isso foi criada a noção de “linha de pobreza ancorada num determinado ano” calculada a partir do ano de referência usando o índice de preços no consumidor para o actualizar O Gráfico 21 da pág.52 do ESTUDO mostra como aumentou a taxa de pobreza em Portugal de 2009 a 2014 : a pobreza oficial aumentou de 17,9% para 19,5% e a pobreza ancorada ou referida a 2009 aumentou de 17,9% para 24,2 %. O gráfico 23 da pág. 55 do ESTUDO mostra como taxa de pobreza nos países sujeitos ao ajustamento aumentou mais que na média da UE28 e da Zona Euro. CONCLUSÕES DESTE PONTO : A crise de 2009 aumentou a taxa de pobreza em Portugal e na maior parte dos países da UE 4) Quantos eram os pobres em Portugal Como vem escrito na pág. 85 do estudo, utilizando o conceito de linha de pobreza oficial, os pobres aumentaram em mais de 116.000 pessoas de 2009 para 2014, passando de 1,903 milhões em 2009 para 2,019 milhões em 2014, dos quais 22,2 % eram menores de 17 anos e 17,8 % idosos 5) Aumento da privação material Relembremos as noções de privação material ( PM )e privação material severa (PMS) . Diz-se que uma família ou um indivíduo está em PM se, por motivos financeiros, não com seguir satisfazer 3 destas nove condições : - ter as contas em dia ( não ter atrasos no pagamento de rendas, despesas etc. ): - gozar uma semana de férias fora de casa; - fazer uma refeição de carne, peixe ou equivalente vegetariano pelo menos dia sim, dia não: - conseguir fazer face a uma despesa imprevista sem pedir um empréstimo; - ter telefone - ter televisão a cores ; - ter uma máquina de lavar roupa; - ter automóvel ; - manter a casa aquecida no inverno A PMS verifica-se quando não é possível satisfazer 4 destas condições. Em Portugal, entre 2009 e 2017 ( Quadro 11, pág 60 do ESTUDO ) A PM aumentou de 21,5 % para 25,7 % e A PMS aumentou de 9,1 % para 10,6 % Um outro indicador que permite a avaliar o que se passou nos capítulos da pobreza e da privação material é o da pobreza consistente. . Um pobre consistente é uma pessoa que está simultaneamente em situação de pobreza e de privação material. Este indicador passou de 8,2% da população para 9,7 % em 2014. Comparando com o que se passou na UE a 27 ( UE sem croácia ), observa-se no Gráfico 29 da pág. 63 do ESTUDO que entre 2009 e 2014 a PMS diminuiu em 10 países, permaneceu constante em 2 e aumentou em 15. Em Portugal subiu 1,5% enquanto na média da EU a 27 cresceu 0,7 % CONCLUSÕES DESTE PONTO : A crise de 2009 aumentou a taxa de privação material em Portugal e na maior parte dos países da EU 6) Perda de rendimentos salariais A análise feita no Capítulo 7 do ESTUDO mostra que o ganho médio equivalente mensal dos trabalhadores diminuiu de cerca de 6% entre 2009 e 2014 em termos brutos e cerca de 12,7% em termos líquidos. Considerando os decis daquele ganho médio bruto, verifica-se que os mais penalizados são o 1º , que passou de 515 € para 449 € ( - 14,7% ) e o 10ª que reduziu de 4116 € para 3670 € (- 10,8 % ). E também se verificou que os trabalhadores por conta de outrem com baixos salários ( definem-se baixos salários como salários abaixo de 2/3 da mediana ) passaram de 14,0 % em 2009 para 15,4% e que a respectiva taxa de pobreza aumentou de 6,1% para 8,0% Ou seja, os trabalhadores de mais fracos rendimentos perderam mais que os outros e a correspondente taxa de pobreza aumentou 7) Como se distribuíram as perdas pelos diferentes grupos de trabalhadores O ESTUDO mostra que : - Os trabalhadores mais jovens ( < ou= 24 anos ) perderam mais que os outros grupos etários - O género feminino perdeu mais que o masculino - Os contratados a prazo perderam mais que os permanentes - Os trabalhadores a tempo parcial perderam mais que os a tempo integral - Os trabalhadores com cursos superiores, em percentagem, perderam quase o dobro em comparaçãocom os dos outros graus de ensino - Por sectores de actividade, os trabalhadores da indústria melhoraram enquanto os de todas as outras actividades pioraram. 8) Efeitos das alterações efectuadas nas transferências sociais Entre 2009 e 2014, verificaram-se alterações nas transferências sociais relativas a abono de família (AdF), rendimento social de inserção (RSI) e complemento solidário pata idosos (CSI) 8.1 ) AdF Em 2010, o AdF foi eliminado para as famílias de maiores rendimentos ( 4º e 5º escalões ), bem como a majoração de 25% para o 1º escalão ( famílias de rendimento anual até 2.934,54 € e para o 2º escalão de rendimento anual de 2.934,54 € a 5.869,08 € ). Isto contribuiu certamente para aumentar a pobreza naqueles escalões. 8.2) RSI Como se pode ler na página 134 do ESTUDO, 2 reformas na atribuição do RSI, em 2010 e 2012 reduziram não só o montante a receber por cada beneficiário (foram eliminados alguns benefícios adicionais), como reduziram o número de pessoas elegíveis .No entanto o valor máximo que um indivíduo que viva só foi mantido foi mantido até 2013, quando foi reduzido de 189,52 €/mês para 178,15 €/mês. Isto significou que o número de beneficiários passou de 486.977 em 2009 para 320.811 em 2014 e número de famílias abrangidas foi reduzido de 192.249 em 2009 para 139.557 ( em 2014). Em período de crise, foi um grande contributo para o aumento da pobreza 8.3) CSI O CSI foi criado em 2005 e é igual à diferença entre os recursos do idoso e um valor de referência . Em 2009 aquele era de 5.022 €/ano e foi reduzido em 2013 para 4.909 €/ano . O número de beneficiários subiu de 232.808 em 2009 para 237.845 em 2013 e caiu para 212.565 em 2014 ( com a respectiva diminuição de despesa ). CONSEQUÊNCIAS NEGATIVAS DAS POLÍTICAS IMPLEMENTADAS NO TEMPO DA TROIKA QUE SÃO EVIDENCIADAS PELO ESTUDO 1) Em média toda a população sofreu cortes no seu rendimento, mas foi bastante pior nos mais pobres que nos mais ricos. 2) As políticas seguidas tornaram a população de Portugal mais desigual em termos de rendimentos. 3) A taxa de pobreza em Portugal aumentou, ou seja os pobres aumentaram em mais de 116.000 pessoas de 2009 para 2014, passando de 1,903 milhões em 2009 para 2,019 milhões em 2014, dos quais 22,2 % eram menores de 17 anos e 17,8 % idosos 4) Aumentou a taxa de privação material em Portugal 5) Os trabalhadores de mais fracos rendimentos, em percentagem, perderam mais que os outros. 6) A população mais necessitada foi prejudicada pela redução das contribuições sociais relativas a abono de família, rendimento social de inserção e complemento solidário para idosos . APRECIAÇÃO FINAL As medidas de redução do défice das contas públicas exigidas pela União Europeia e pelo FMI ( cujos organismos intervenientes constituíram a chamada troika ) para emprestar dinheiro ao Estado Português em consequência da crise financeira internacional de 2009 ( ver 1ª Parte do texto ) estão traduzidas no que foi chamado Memorandum de Entendimento. Aquelas medidas foram postas em prática entre 2011 e 2015 pelo governo de coligação PSD + CDS ( Passos Coelho + Paulo Portas ). A insensibilidade social ( para não dizer crueldade ) das disposições tiveram as consequências acima descritas, mas acabaram por ser ineficazes em relação aos objectivos pretendidos pela troika. No Memorandum estavam fixadas metas para os défices das contas públicas em 2011, 2012 e 2013 que não foram atingidos. Vejamos quais eram os objectivos e os resultados alcançados ANO DÉFICE PRETENDIDO DÉFICE REAL ( valores tirados da Pordata ) Em MILHÕES de € Em % do PIB Em MILHÕES de € Em % do PIB 2011 10.068 - 5,9 13.495 -7,7 2012 7.645 - 4,5 10.400 -6,2 2013 5.224 - 3,0 8.702 -5,1 EM FACE DISTO, COMO É POSSÍVEL AOS INTERVENIENTES E AOS QUE OS APOARAM ESTAREM SATISFEITOS E POR VEZES ORGULHOSOS DOS RESULTADOS OBTIDOS PELO GOVERNO PSD+CDS ?