sábado, 11 de setembro de 2021

SOLIDARIEDADE E EGOISMO

( A PROPÓSITO DO OE PARA 2022 ) A maneira como os seres humanos reagem aos acontecimentos, duma forma solidária para com o seu semelhante ou duma forma egoísta sem preocupações, depende das pessoas, das circunstâncias e do que está em jogo. A maioria das pessoas deveria estar de acordo com o princípio da solidariedade, ou seja, que as sociedades têm a obrigação de se comportar duma forma solidária umas para com as outras - o que infelizmente, considerando o mundo no seu todo, raramente acontece. Nos países da Europa Ocidental que, por muitas razões, se consideram na vanguarda da civilização humanista, a solidariedade deverá prevalecer sobre os egoísmos pessoais. A solidariedade impõe que nos ajudemos uns aos outros, que não deixemos concidadãos a viver em condições indignas, que evitemos que haja pessoas a cair na pobreza, que deva haver igualdade de oportunidades e progresso para todos. Uma vez que o pleno emprego com salários que permitam viver com conforto, ter acesso à educação, aos cuidados de saúde necessários, poupar para uma situação de necessidade e descontar para uma reforma em linha com a vida que se viveu, ainda é uma utopia, o apoio social do Estado é indispensável. Como nas sociedades ocidentais de economia de mercado, salvo raras excepções, o Estado não tem negócios que lhe permitam obter fundos, o dinheiro que o Estado necessita para a sua indispensável função social, vem dos impostos e taxas cobrados aos cidadãos e às empresas com fins lucrativos. Alem do papel de obter verbas para as funções sociais do Estado, os impostos também têm por missão diminuir as desigualdades de rendimento entre os cidadãos. Além do problema moral que a desigualdade representa, muitos autores têm escrito e demonstrado que as grandes desigualdades são prejudiciais para o funcionamento da economia. Resmungar constantemente contra os impostos, inventar esquemas para não pagar ou para pagar menos do que se deveria, não é mais que uma demonstração de egoísmo. ( Mesmo que um estado de direito democrático, como o nosso, não seja perfeito na redistribuição, a resposta dos cidadãos não deve ser lutar contra os impostos, mas lutar para que eles sejam bem aplicados) Na altura do ano em que, entre governo e partidos políticos da esquerda parlamentar se discutem opções para o Orçamento de Estado para 2022, é inevitável que se fale, e muito, de impostos. Mas o grande paradoxo da discussão é, por um lado, pretender-se a melhoria substancial dos serviços públicos de saúde, educação (com aumento de equipamentos, do número de funcionários e de vencimentos), apoio social aos que necessitam, e por outro a redução de impostos. Até o PSD faz coro com esta linha de pensamento (os partidos à direita do PSD nesta dicotomia só se preocupam com a redução de impostos). Sabendo-se que, devido ao combate à pandemia, nos aspectos sanitário, social e económico, as despesas do Estado serão francamente superiores às receitas, como arranjar dinheiro para aqueles objectivos? Pedindo empréstimos, aumentando a dívida pública? Não me parece solução aceitável, sabendo-se que trata dum aumento não temporário de despesa, mas permanente, e tendo em conta que a dívida já é enorme com consequente encargo de juros a pagar aos credores. Não é possível continuar, fora dum contexto de calamidade, a aumentar dívida pública. No futuro, a possibilidade duma outra troika, por não conseguirmos financiar a dívida, não pode ser considerada como excluída. O Orçamento de Estado a aprovar terá de ter em conta as circunstâncias do presente e perspectivas realistas para o futuro. Voltando a falar de impostos, agora concretamente do IRS, é natural que governo, partidos políticos e tutti quanti desejem voltar à situação anterior à compactação de escalões imposta pelo Sr. Vítor Gaspar, o inicial ministro das Finanças dos governos PSD+PPD do tempo (de má memória) da troika. É justo, mas vai diminuir a receita do Estado e portanto contraria a necessidade de financiamento dos serviços de que acima se falou. Para compensar esta redução de IRS para os que mais necessitam, porque não criar novos escalões para os rendimentos mais elevados, como sugeri no artigo “De novo sobre impostos – IRS para 2017” publicado nas redes socais e no meu livro “Reflexões sobre alguns acontecimentos de 2017” ? A minha sugestão é a seguinte : + de 80.000 a 112.000 €/ano »»» 48% + de 112.000 a 140.000 »»» 50% + de 140.000 »»» 55% ( Ver nota no final ) Se juntarmos a este acréscimo de tributação, o que resultaria de englobar todos os rendimentos individuais resultantes de rendimentos de capitais, prediais, mais valias patrimoniais e de taxar o resultado ao mesmo nível dos rendimentos do trabalho por conta de outrem, em vez das alternativas existentes, possivelmente a tributação, alem de mais adequada aos rendimentos efectivos, daria uma ajuda para o equilíbrio entre receitas e despesas. Estou certo que as pessoas abrangidas por estes incrementos de contribuição ficariam satisfeitas por aumentarem a sua solidariedade para com os outros portugueses e por contribuírem para a redução das desigualdades NOTA : Nos tempos a seguir à 2ª Guerra Mundial em que os países ocidentais se esforçavam realmente por diminuir desigualdades, AS TAXAS MÁXIMAS DE IRS foram as seguintes (números tirados do gráfico 14.1 da pág. 805 do livro de T. Pikkety “Le Capitalisme au XXIe siècle”). ANO EUA França Alemanha Reino Unido 1955 90% 66% 53% 90% 1970 75% 64% 53% 90% 1980 70% 60% 57% 75% E as economias destes países prosperaram e muito, como se sabe. É pena que os responsáveis politico-económicos pelos actuais taxas dos impostos tenham abandonado uma visão de solidariedade a favor do egoísmo. E isto é sem dúvida tem contribuído para a insatisfação, o mal estar que leva algumas pessoas a seguir os extremistas da direita.