Com este
título, publicaram os Srs. António Arnaut e João Semedo um pequeno livro
propondo “ Uma nova Lei de Bases da Saúde para defender a Democracia “.
Oportuno
trabalho na altura em que muito se fala do SNS, como referi no meu texto
anterior “Defesa do Serviço Nacional de Saúde “
A proposta,
alem de acrescentar e actualizar certos assuntos ( genética médica, procriação
medicamente assistida, interrupção voluntária da gravidez, terapêuticas não
convencionais ) em função dos avanços sociais e científicos e da necessidade de
os integrar na lei, preocupa-se bastante com as relações com a medicina
privada.
A lei de
bases em vigor, a nº 48/90 foi publicada no tempo dum dos governos do Sr.
Cavaco Silva (CS) e substituiu a lei original nº 56/79 que, no tempo do governo
da Srª Maria de Lurdes Pintasilgo foi criada pela Ministro dos Assuntos
Sociais, Sr. António Arnaut (AA).
Comparemos
algumas das alterações agora propostas com os textos anteriores :
Na lei AA,
no Art. 52º o legislador diz que (passo a citar ) “O SNS articula-se com a existência e funcionamento de instituições não
oficiais e formas de actividade privada no âmbito do sector da saúde…” .
E no art. 53º está dito que “ podem ser
estabelecidos convénios entre o SNS e instituições não oficiais e privadas… nos
casos em que a rede de serviços oficial não assegure os cuidados de saúde… “
Portanto
para AA, as instituições privadas eram recurso a usar em casos de insuficiência
do SNS
A lei de
bases do governo CS, na base XXXVII, diz, e passo transcrever :
1. O Estado apoia o sector privado de prestação
de cuidados de saúde em função das vantagens sociais decorrentes das
iniciativas em causa e em concorrência com o sector público.
2. O apoio pode traduzir-se
nomeadamente na facilidade de mobilidade
do pessoal do SNS que deseje trabalhar no sector privado, na criação de
incentivos à criação de unidades privadas e na reserva de quotas de leitos de
internamento em cada região de saúde.
Avaliemos
esta Base XXXVII à luz do que diz a
Constituição da República.
Para isso
começo por transcrever o Art. 64º (
Saúde ) ,
1. Todos têm direito à protecção da
saúde e o dever de a defender e promover.
2. O direito à protecção da saúde é realizado:
a) Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em
conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito;
b) Pela criação de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que
garantam, designadamente, a protecção da infância, da juventude e da velhice, e
pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, bem como pela
promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular, e ainda pelo
desenvolvimento da educação sanitária do povo e de práticas de vida saudável.
3. Para assegurar o direito à protecção da saúde, incumbe prioritariamente
ao Estado
a) Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua
condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de
reabilitação;
b) Garantir uma racional e
eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos e unidades de saúde;
c) Orientar a sua acção para a socialização dos custos dos cuidados médicos e
medicamentosos;
d) Disciplinar e
fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o
serviço nacional de saúde, por forma a assegurar, nas instituições de saúde
públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de qualidade;
e) Disciplinar e controlar a produção, a distribuição, a comercialização e o
uso dos produtos químicos, biológicos e farmacêuticos e outros meios de tratamento
e diagnóstico;
f) Estabelecer políticas de prevenção e tratamento da toxicodependência.
4. O serviço nacional de saúde tem
gestão descentralizada e participada.
Do
articulado tira-se que o Estado deve “garantir uma eficiente cobertura de todo
o país em recursos humanos e unidades de saúde” e que a única referência que è
feita à actuação de privados na prestação de cuidados de saúde aos cidadãos
figura na alínea d) no número 3
Portanto, a
constituição não prevê concorrência, no
sentido comercial do termo, entre SNS e medicina privada e muito menos a
criação de incentivos. A referida Lei Base é pois deturpadora do espírito e da
letra da Constituição e deve ser radicalmente alterada.
Com aquele
apoio é óbvio que os seguros de saúde e o comércio de serviços de saúde
prosperaram : em 2006 foi inaugurado o Hospital da Luz, em 2008 o Hospital dos
Lusíadas, em 2011 o Hospital Cuf Descobertas , só para dar alguns exemplos.
É evidente que hospitais particulares de
saúde, alem dos das Misericórdias, sempre, ou quase sempre, houve (também a
título de exemplo, cito alguns em Lisboa, o Hospital da Cuf perto da Av.
Infante Santo, o de S. Luís do Franceses, o da Ordem Terceira de S. Francisco.)
E têm todo o
direito de continuar a existir, o que não devem é ter o apoio do Estado a não ser nos casos em que
o Estado ainda não possa satisfazer as necessidades de saúde da população – tal
e qual como na instrução pública.
A maior
fonte de receita dos hospitais particulares deriva, penso eu dos contratos com
as companhias de seguros ( ver adiante ). Por meio de seguros as pessoas podem
ter direito a certos cuidados de saúde no sector privado e os empregadores
podem conceder esses benefícios aos seus empregados. E as despesas contam para
diminuir, respectivamente, o IRS e o IRC. Se no primeiro caso não há discussão
possível, pois a Constituição diz que os custos com a saúde para os utentes são
tendencionalmente gratuitos, no segundo caso o facto de os seguros de saúde
para os empregados ser motivo de desconto no IRC das empresas pode ser
discutível pois diminui as receitas do Estado – receitas essas que poderiam ser
usadas para melhorar o SNS.
Como assunto
diz respeito a impostos, cabe a cada governo, de acordo com sua ideologia, a
situação do momento ou o interesse nacional, decidir
A
Constituição não fala de seguros de saúde e a lei AA nº56/79 também não. Mas a
lei nº 48/90 do governo CS estabelece na sua Base XLII que “A lei fixa incentivos ao estabelecimento de seguros de saúde”.
Qual terá sido a utilidade deste favorecimento? Ajudar as companhias de seguro
a ganhar dinheiro, passar as obrigações constitucionais do Estado na saúde para
os privados ? Não é aceitável à luz da Constituição.
Na nova
proposta de Lei de Bases para a Saúde, AA e João Semedo corrigem este erro
através da Base XLV que propõe
1. Os seguros privados de saúde são
de adesão voluntária e têm natureza suplementar relativamente ao SNS .
2. Os prestadores de cuidados de
saúde são responsáveis pela continuação e conclusão de qualquer tratamento que
tenham aceite iniciar sob a cobertura do seguro de saúde, não podendo o mesmo
ser interrompido ou descontinuado em virtude da cobertura da respectiva apólice
ser insuficiente para assegurar o pagamento da despesa realizada ou prevista .
O último
tema de que vou falar é o das taxas moderadoras. De facto o Art. 64º da
Constituição acima transcrito prescreve que os cuidados a prestar pelo SNS
sejam tendencialmente gratuitos.
O Art. 7º da
lei AA embora afirme que o SNS é gratuito para os utentes, prevê a introdução
de taxas moderadoras.
A lei do
governo CS também prevê a imposição de taxas moderadoras.
Porem, a Lei
de Bases proposta afirma a gratuitidade do SNS, não falando em taxas
moderadoras. Apesar do avanço social que esta atitude sem ´dúvida representa, a
existência de taxas moderadoras, razoáveis mas não impeditivas, é uma solução
de alcance prático e NÃO é anti constitucional. Neste âmbito, uma sugestão para
esta altura do ano em que se fala de exagerada utilização dos hospitais
públicos em detrimento dos centros de saúde : porque não diferenciar as taxas
moderadoras entre uns e outros ?
A minha opinião a “salvação do SNS
de qualidade” só se consegue com mais
investimento público que se traduza em melhores serviços ( em todos os aspectos
) à disposição dos Portugueses. Os sector privado deve ser apenas suplementar.
Lisboa, 12
de Fevereiro de 2018
A apresentação do meu texto ao apareceu defeituosa. Peço desculpa e a vossa compreensão, pois ainda não consigo dominar o sistema